DO DIÁRIO DA FALECIDA VOVÓ - PARTE 1

Por: Claudia Souza

 *** | DO DIÁRIO DA FALECIDA VOVÓ | ***

Uma das minhas avós quando era jovem trabalhava na imigração do governo como secretária. Para ocupar aquele posto, ela estudava língua portuguesa, caligrafia e datilografia. Nos 'achados de vovó' havia uma folha de papel sulfite (anos 60), dobradinha dentro do caderno, datilografada com o seguinte texto:

MENSAGEM DE SAUDADES E DE ADEUS

    Nem ao menos eu saíra do Maranhão, já estava sentindo saudades do meu cajueiro. Do meu pequenino irmão com quem eu passara três anos, os melhores de minha infância, com ele, brincava, ria, pulava e também contava-lhe as minhas tristezas.

    Tudo era tão bom, sentado no seu tronco eu lhe ouvia o farfalhar das folhas, voz amiga, num sussurro bem baixinho, chega-te a mim, estás tão longe, quero sentir o teu calor, a tua proteção, de repente num gesto brusco de menino, abracei-o e apertei-o contra o peito. Do caule ferido corre-lhe a resina como lágrimas perfumadas, era o fim de nossa despedida.

    Adeus, meu cajueiro! Até a volta!

    Vou embora com o coração cheio de saudades, olho ainda lá da esquina e vejo o meu pequenino irmão, criança levada, trepado à cerca acenando em despedida, senti ainda mais a nossa separação, de longe ele me olhava com grande ansiedade, adeus meu irmão, adeus nossa infância. E a jardineira já se distanciava cada vez mais, cada vez mais, em meio a distância, um buscava o outro com tanta ternura, com tanto amor, era o princípio do sofrimento, ambos estavam com a alma partida.

    Olham-se ainda uma vez mais e a jardineira se perde ao longo da estrada. O menino homem fica no último banco da jardineira olhando pelo vidro do carro, já não via mais o cajueiro, via agora uma névoa de pó que envolvia toda a estrada, as árvores que pareciam estar enfileiradas a beira da estrada.

    O menino homem em São Luiz, trabalhando, lutando pela vida e pela sobrevivência, já com o corpinho cansado quando recebe uma lata cumprida, acompanhada de uma carta de sua mãe, com esta segue uma lata de doce de caju em calda.

    "São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças!"